Conto - Ruído

em terça-feira, 5 de julho de 2016


Meus pensamentos são feitos de gritos, pratos quebrados, torções. São barulhos dentro da minha cabeça e que vem de fora. Vêm de todos os outros. Eu sou uma esponja que absorve sons e isso está...o que isso está fazendo comigo? 

 Téc-téc-téc e acordo do devaneio. Atrito de pele e plástico.  Isso me dá nos nervos. Passo a digitar bem devagar, quase uma caricia.

— Que é isso Ricardo? Tá massageando o teclado? Manda ver cara, isso é feito pra aguentar pressão!

Olho para ele. Arnaldo.— Será que seu pescoço também aguenta pressão? — O imbecil senta-se à mesa ao lado e começa a socar seu próprio teclado, aumentando meu suplício. Eu deveria quebrar aquela porra na cabeça dele. Engulo o instinto. Sorrio apenas, disfarçando meu mal estar. E me odeio um pouco mais por isso.
Na volta para casa, sou invadido pelo maldito som de sirenes, buzinas de carros, conversas idiotas de pessoas mais idiotas ainda. Crianças chorando. O ronco das explosões no motor do ônibus.

Subo as escadas para o apartamento, meus passos ecoando degraus acima. Tiro o sapato. Despenco na cama e ouço as molas rangerem sob meu peso. Um som ruim, esganiçado, cheio de ferrugem. Olho para o teto. Quero muito descansar.

Pin-pin-pin-pin. Gotas batem insistentes, no fundo de uma pia. Aquilo pinga no meu cérebro e vai molhando a minha cabeça. Eu só quero um momento genuíno da mais pura ausência de qualquer ruído.

Nó dos dedos na madeira. Bato no apartamento ao lado, me oferecendo para dar uma olhada na merda daquela torneira. Um reparo rápido e logo o pinga-pinga acaba. Dona Claudia agradece com a boca cheia de uma gororoba imunda. Escuto o som nojento de sua mastigação. Afasto-me rápido.

Em algum lugar, um cachorro late e outro uiva. Gatos farfalham em sacos de lixo pela rua, esgarçando suas gargantas naqueles sons medonhos de pré-acasalamento. Um avião passa muito próximo e suas turbinas dilaceram meus tímpanos. Fecho os olhos com força. Vou conseguir dormir. Eu vou. Eu só preciso de... silêncio?

Róinc róinc róinc. Outro rangido e não era o da minha cama. Algo como porcos trepando. Os porcos do andar de cima.

Mais um dia amanhece e meus olhos ardem. Não consegui dormir. De novo. Cara, como odeio a minha vida. — Suspiro. — Espera um pouco... Vida? Eu disse, Vida?


A vida... é um barulho constante! E a resposta para meus problemas bate na minha cara, fazendo os ossos do meu pescoço estalarem, crocantes.

No final do dia, caminho tranquilo até o cemitério atrás do meu serviço. Pulo o muro, atravesso os corredores de jazigos e deito em minha própria cova. Fecho os olhos para dormir e quem sabe, nunca mais acordar.


E esse foi um conto de Dany Fernandez

Bom gente, eu sou a Dany aqui do blog mesmo! Esse conto escrevi durante o módulo 2 do curso escrevivendo, com Walter Tierno e Giulia Moon de mentores. XD Se curtiu esse conto, quer trocar ideia ou me dar uns toques, é só comentar aqui embaixo! \O/

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