Conto - Surfista sem braço

em terça-feira, 28 de junho de 2016

The Great Wave Off  Kanagawa- Katsushika Hokusai

— Como é viver sem um braço? — Pergunta meu imenso amigo.

— Não sei dizer. — respondo, preguiçoso. — Seria como perguntar a você como é ser o mar.

— Não saberia responder.  Só sei que juntos, eu e você, somos o oceano.

Estou de bruços e fecho os olhos para sentir as ondas sob a prancha. Aquele movimento suave me faz sentir aconchegado no mundo. Meu braço esquerdo — o inteiro — escorrega  para água e sinto sua carícia suave, gelada.

Eu era um menino quando o Mar falou comigo pela primeira vez. Ele me chamava para uma missão especial. Uma missão para aqueles que pudessem ouvi-lo. E eu era um deles.
Perguntei onde estavam os outros recrutas. “ Você é o meu recruta. Cada mar tem um. Ou deveria ter. Se tiver a sorte de achar quem o ouça.”

Naquele dia eu não voltei para Os Saltins. Éramos uma grande família sem parentes. Vivíamos juntos sob a lona esmaecida, pulando daqui pra lá. Eles já estavam se preparando para rumar até a próxima cidade, e eu sabia que poderia passar muito mais tempo longe do mar. Talvez nunca mais o reencontrasse.

Não posso dizer que foi fácil dizer adeus para a única vida que eu conhecia. Mas como todo garoto impetuoso no alto dos seus nove anos, não poderia negar minha missão. Finalmente eu tinha uma função no mundo, era um escolhido do Mar. Ou, pelos menos viria a ser, se tivesse coragem de enfrentar o meu pior medo. Eu tinha muito medo de morrer.

Um sussurro quebra o fluxo de minhas memórias “Ei, vou te dar uma onda. Reme, deslize até a linha.”

Remo até lá, sinto o ponto e logo estou no túnel de água e sal. A onda perfeita, o momento da dança. A prancha sobe e meu corpo junto, deslizando para a crista, enquanto minha mente mergulha para longe, numa queda de lembranças e entrega.

Eu tinha nove anos mais uma vez. Ouvia os sussurros marítimos me dizendo o que devia fazer. Corri para o alto do penhasco. Fechei os olhos com força. Os joelhos cediam e o coração estourava na cabeça. “Para nascer de novo é preciso morrer primeiro”. Era o que o Mar me dizia. Lembro de ter pensando por um segundo se eu realmente nasceria mais uma vez.

Abri os braços e me deixei cair num salto de morte e fé. O corpo pequeno, batendo no espelho de água dura. A mesma água que logo queimaria os meus pulmões, me sufocaria.

“Agora você é meu cigano do mar, Allan, o acordo está selado. Está morto para o passado e vivo para o presente”.

A onda finda e logo chego à praia. Sento na areia molhada, a mesma areia onde o Mar me deixou há tantos anos. É sempre assim quando nos reencontramos. Cada onda que pego é uma nova entrega. Morro e torno a viver.

E esse foi um conto de Dany Fernandez

Bom gente, eu sou a Dany aqui do blog mesmo! Esse conto escrevi durante o módulo 2 do curso escrevivendo, com Walter Tierno e Giulia Moon de mentores. XD

Se curtiu esse conto, quer trocar ideia ou me dar uns toques, é só comentar aqui embaixo! \O/

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